O risco da escolha contratual no agronegócio: Parceria e arrendamento rural / Por Dr. Paulo Muniz.

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No agronegócio brasileiro, onde a formalização de contratos é essencial para garantir estabilidade e previsibilidade, a escolha entre parceria rural e arrendamento rural é mais do que uma decisão de conveniência: trata-se de uma definição jurídica estratégica. Embora pareçam semelhantes à primeira vista, ambos modelos contratuais possuem características legais diversas, como claramente estabelecido pelo Estatuto da Terra, Lei nº 4.504 de 1964, e pelo Decreto nº 59.566 de 1966, que o regulamenta. A confusão entre essas figuras, muito comum, na prática, pode gerar consequências graves para as partes envolvidas na relação.

Pelo arrendamento rural, o proprietário cede o uso da terra ao arrendatário mediante pagamento fixo, geralmente em dinheiro ou em percentual do produto colhido, sem qualquer participação nos riscos da atividade, na qual o contratante tem plena autonomia sobre o modo de exploração da terra. Já a parceria rural, pressupõe uma relação de colaboração em que as partes dividem os riscos, os custos e os resultados da atividade rural, vinculando-se de forma mais estreita. Tanto o Estatuto da Terra quanto o Decreto nº 59.566, deixam isso absolutamente claro ao descreverem os elementos estruturantes de cada uma dessas modalidades contratuais.

O problema é que muitos contratos feitos no Agronegócio, principalmente sem ajuda de um advogado especializado, ignoram essa distinção. É comum encontrar contratos que, embora levem o título de parceria, estruturam-se, na prática, como arrendamento — e vice-versa. Essa diferença entre o que o contrato diz e o que realmente foi combinado pode gerar sérios riscos legais, especialmente no que se refere a impostos, responsabilidade ambiental, vínculo trabalhista e à própria validade do contrato.

Em um caso analisado, identificou-se um contrato formalmente caracterizado como arrendamento, com cláusulas e regras sobre a área cedida, o pagamento fixo anual e a responsabilidade do arrendatário sobre as atividades e obrigações decorrentes da exploração da terra. Apesar disso, durante a execução contratual, o arrendatário manifestou desejo de rescindir o contrato, alegando inconsistências relativas à área útil, questões ambientais e cancelamento de licenças — todas elas com origem em fatos supervenientes ou em responsabilidades assumidas no próprio no contrato. Não se tratava de inadimplemento, mas de uma tentativa de encerrar a relação contratual com base em alegações pouco consistentes, revelando o potencial conflitivo que surge quando as cláusulas não são compreendidas em sua dimensão jurídica.

Esse tipo de situação mostra como é importante escolher parceria ou arrendamento com cuidado técnico, levando-se em conta não apenas a nomenclatura utilizada no contrato, mas principalmente o conteúdo efetivo da relação firmada entre as partes. 

Os tribunais já decidiram inúmeras vezes que contratos chamados de “parceria” eram, na prática, arrendamentos, diante da ausência de partilha de riscos e do pagamento fixo disfarçado. Essa mudança na forma do contrato pode causar problemas sérios de impostos e trabalho, inclusive com a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício e autuações por parte de órgãos de fiscalização ambiental e tributária.

Em razão disso, o produtor rural e o proprietário da terra devem ter plena consciência de que a legislação agrária brasileira não trata parceria e arrendamento como meras variações terminológicas. Ao contrário, os dois institutos têm fundamentos jurídicos específicos, objetivos diferentes e resultados importantes, na prática. A tentativa de economizar com uma redação padronizada ou sem orientação técnica, pode sair muito mais cara do que o investimento preventivo em assessoria jurídica especializada.

É preciso redigir contratos claros, responsáveis e sabendo o que a lei diz. Isso inclui definir corretamente a forma de remuneração, quem assume os riscos, qual a área do contrato, quem é responsável pelas licenças ambientais, ter regras claras para encerrar o contrato e prever cláusulas objetivas de rescisão. Não basta rotular o contrato como parceria ou arrendamento — é necessário garantir que o seu conteúdo reflita a real natureza da relação entre as partes. 

No contexto atual, em que o agronegócio brasileiro opera com margens apertadas e alto grau de fiscalização, a segurança jurídica é um insumo tão essencial quanto a terra, a semente e a tecnologia. Saber diferenciar arrendamento de parceria rural não é apenas uma questão técnica, mas uma proteção indispensável para a sustentabilidade de qualquer relação contratual no agronegócio.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 30 nov. 1964. Seção 1. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm.  Acesso em: 26 de julho de 2025.

BRASIL. Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1966. Regulamenta o Estatuto da Terra, no que concerne ao arrendamento e à parceria rural. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 16 nov. 1966. Seção 1. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d59566.htm. Acesso em: 26 de julho de 2025.STJ, Superior Tribunal de Justiça. “Plantando em terra alheia: as controvérsias jurídicas sobre arrendamento rural.”  Brasília, DF, 22 set. 2018. Secretaria de Comunicação Social. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-09-23_06 58_Plantando-em-terra-alheia-as-controversias-juridicas-sobre-arrendamento-rural.aspx. Acesso em: 26 de julho de 2025.

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